O mal que a pirataria nos faz
- Adriana Araujo
- 21 de mar. de 2016
- 3 min de leitura

Além de softwares, CDs e DVDs, pirataria é prolífica também na fabricação de tênis, perfumes, relógios, óculos, medicamentos, brinquedos, livros, roupas
O tema pirataria provoca tantas discussões quantas daria juntar corintianos e rubro-negros para chegar a um acordo sobre qual time é o melhor, o mais vibrante, o de maior torcida, de mais tradição etc. Como todos podem imaginar, tal encontro não chegaria a um consenso. É um grande desafio discutir algo que divide tantas paixões contra ou a favor— seja o futebol, seja a pirataria —, uma vez que soa democrático o compartilhamento – mesmo que ilegal – de bens culturais ou de lazer.
Nos tempos da fita cassete, era comum copiar as músicas daquele LP que estava fora do orçamento. Não cabe discutir se o simples fato de copiar uma matriz para uso pessoal seja crime punível pelo código penal. Ocorre que o ato de “piratear” a propriedade industrial de uma obra ou produto ganhou escala industrial e com fabulosa rede de distribuição.
O fato é que a pirataria não é somente copiar um software, baixar umas musiquinhas numa ferramenta qualquer ou compartilhar um filme engraçado. É tolo quem imagina que ela acaba por aí. Além dos segmentos de softwares, CDs e DVDs, a indústria da pirataria é prolífica também na fabricação de tênis, perfumes, relógios, óculos, medicamentos, brinquedos, livros, roupas.
As quadrilhas responsáveis pela pirataria têm na distribuição seu principal trunfo. E o mais grave, esta é a mesma estrutura logística que faz desaparecer caminhões e suas cargas, que assassina seus motoristas, que espalha softwares pelos centros das principais cidades brasileiras, que desvia e desmancha automóveis roubados e que grava os novos filmes e os copiam em escala industrial. Argumentos suficientes para demonstrar que a pirataria é, na verdade, comandada por uma grande máfia.
A Frente Parlamentar Contra a Pirataria – se é que ainda podemos confiar em nossos deputados e senadores – revela que, com os produtos ilegais, o país deixa de arrecadar R$ 10 bilhões por ano, impedindo a formalização de dois milhões de empregos. Presente em 188 países, a Interpol informa que o crime organizado – envolvendo pirataria, exploração infantil e o tráfico de humanos, armas e drogas – movimenta US$ 500 bilhões por ano. Não se trata de uma brincadeira inocente.
Pirata informal e oficial
Durante anos lecionei para alunos de um curso de produção musical e sei que o tema pirataria sempre divide opiniões, ainda mais para músicos e produtores. Muitos deles se mostravam felizes — embora outros torcessem o nariz — por terem adquirido no mercado informal um CD que procuravam ou mesmo algum novo programa de edição de áudio, vendido a preços muito mais baixos do que os formalmente praticados. No longo prazo, esses futuros cantores, compositores, produtores estavam ajudando a minar o futuro mercado de cantores, compositores e produtores. Era a serpente de Ouroboros mordendo a própria cauda.
Não há dúvida de que os preços praticados no mercado do disco eram exagerados. A indústria fonográfica deu um tiro no próprio pé ao inflacionar o preço do CD – obtido por uma tecnologia mais simples e mais barata que a da confecção de um disco de vinil que implicava em várias fases de processo industrial, como banhos químicos, matrizes intermediárias etc. A abertura dessa porteira permitiu a invasão dos piratas. Foi de uma burrice inominável.
Hoje, as grandes gravadoras não são nem a sombra do que foram no passado. Muitas delas se transformaram em simples selos ou editoras. Quem se lixa para esse segmento da indústria esquece que ele é responsável por uma grande quantidade de empregos qualificados: artistas, músicos, produtores, engenheiros, operadores, compositores, roadies — enfim, gente que rala. Gravar, copiar e baixar são práticas tão amplamente difundidas que ocorrem, até mesmo, no meio artístico. O produtor Marcelo Mansur — mais conhecido como DJ Memê — disse certa vez a um artista em tom de elogio: “Cara, baixei suas músicas, fiz um CD que rola direto no meu carro”. Diante a reação de surpresa do interlocutor foi que Memê se deu conta de que havia cometido, no mínimo, uma gafe.
Até mesmo nações e governos praticam a pirataria. O Japão, por exemplo, tentou se apoderar da patente do nosso açaí — fruto de uma palmeira genuinamente brasileira conhecida como juçara. A iniciativa de biopirataria contrariava a Convenção sobre Diversidade Biológica e a patente foi cancelada. Até porque nunca nasceu um pé de juçara no Japão.
Fonte: http://opiniaoenoticia.com.br/opiniao/o-mal-que-a-pirataria-nos-faz/
Comments