Você sabe identificar um abuso de direito?
- Adriana Araujo
- 9 de fev. de 2017
- 3 min de leitura

Existe uma forma de ato ilícito no direito que pouca gente presta atenção, tanto os que a cometem, quanto as suas muitas vítimas. Trata-se do abuso de direito.
Essa modalidade é mais difícil de perceber, pois, aparentemente, o ofensor, titular do direito, está agindo de acordo com a lei. Só percebemos o abuso quando vamos analisar para além dessa aparência, ou seja, quando vamos verificar as intenções do agente e os desdobramentos daquela conduta no contexto econômico e social de sua abrangência. O artigo 187 do nosso Código Civil diz que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Difícil? Alguns exemplos podem ajudar na compreensão.
Imaginemos um grande supermercado. O dono do supermercado detém o direito de exigir trabalho de seus empregados, pois, em contrapartida, obrigou-se a remunerá-los com um salário. Obviamente, a empresa não pode exigir de seus funcionários que eles façam atividades ilegais ou proibidas, como vender drogas ilícitas no estabelecimento ou mesmo furtar objetos pessoais dos clientes. Isso é fácil de perceber. Mas a empresa também não pode exigir que os empregados desempenhem atividades incompatíveis com aquelas para as quais foram contratados. Exemplo: uma pessoa contratada para ser operadora de caixa, ficar também responsável pela reposição dos produtos nas gôndolas e pela limpeza do chão da loja. Note que as três atividades são lícitas e podem ser exigidas pelo empregador, mas se exigidas em face de um mesmo empregado, o patrão estará abusando do seu direito de contratar.
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Um outro exemplo bastante comum é o do dono de um imóvel que o aluga a um inquilino. É praxe os contratos de locação garantirem ao proprietário o direito de adentrar no imóvel e vistoriá-lo. Contudo, esse proprietário estará abusando do seu direito, caso chegue na residência às 03:00 horas da madrugada, exigindo que o morador lhe abra a porta. Mais uma vez, o direito que o dono quer exercer existe, mas a forma como ele escolheu para exercê-lo é abusiva.
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Imagine ainda um plano de saúde que mantém ativo o contrato com uma pessoa já há mais de trinta anos e atualmente ela está com 70 anos. É bem provável que, com esta idade, o usuário passe a precisar mais dos serviços do plano. Contudo, como sabemos, é um direito de qualquer contratante encerrar o contrato, e imaginemos que a empresa do Plano de Saúde resolva neste momento exercer esse direito, que aparentemente é perfeitamente legal. Nestes casos, os tribunais brasileiros, com muita razão, vem entendendo a quebra do contrato nesses casos seria também um abuso de direito, pois após uma vida de contribuições ao plano, o consumidor se veria sem qualquer proteção justamente quando mais precisaria dela. Nesse sentido, é abusivo também aumentar desarrazoadamente o valor da mensalidade, de modo que fique impossível ao cliente arcar com ela, e este perca o direito ao plano por falta de pagamento.
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Saber identificar um abuso de direito é muito importante para o exercício da cidadania e para que não aceitemos situações que, aos olhos de qualquer pessoa, são injustas, apesar de (aparentemente) estarem dentro da lei. Alguns grupos de pessoas têm especial proteção pelo ordenamento jurídico, tais como os trabalhadores e os consumidores, e para eles essa linha que separa o ato lícito do abuso do direito é bem mais sensível.
Cada um dos direitos que temos foi criado para atender uma finalidade específica. Se, em alguma situação, você sentir que essa finalidade não está sendo respeitada, denuncie o abuso e reclame os seus direitos!
Escrito por Andrei Cesário de Lima Albuquerque*
*Andrei é servidor público federal e aluno do quarto ano de direito na Unifesspa, em Marabá. Ele pesquisa sobre direitos humanos, direito à cidade e relações de trabalho. E-mail: andreicesario@gmail.com
Postado por Adriana Araújo.
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