A reforma da previdência e a dignidade do trabalhador rural
- Adriana Araujo
- 16 de fev. de 2017
- 3 min de leitura

Após quase um ano de governo, Michel Temer vem deixando muito claro a que veio. O viés econômico é nítido em praticamente todas as reformas e políticas propostas e/ou implementadas até agora. Como declarou diversas vezes, o presidente não tem ouvidos para índices de aprovação ou opinião popular, e, ao que parece, ele só escuta o clamor dos mercados. O teto dos gastos públicos já passou, a reforma da previdência está encaminhada e a reforma trabalhista está vindo por aí. Todas essas medidas são demandas antigas dos investidores e do empresariado. A lógica é que se o governo trabalhar para a economia melhorar, as pessoas terão empregos, a crise passará e tudo se resolverá.
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Esquece-se, contudo, que o Brasil carrega uma história massacrante de injustiça social, segundo a qual as oportunidades, que deveriam ser igualmente distribuídas, sempre estiveram restritas a pouquíssimas famílias, salvo exceções extremamente pontuais. A quem caberia reduzir essas desigualdades? Ao governo? Segundo o Temer, não. E pela política governamental em vigor, o mercado ficaria responsável por isso e protagonizaria também o nosso desenvolvimento social (empregos!).
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Todavia, essa opção política pelos mercados desconsidera a vastidão das terras brasileiras. Desconsidera, por exemplo, o agricultor do Nordeste, o extrativista da Amazônia, o pescador de Belém, dentre tantos outros Josés, Marias e Raimundos. Enfim, quem dá duro para abastecer nossas feiras e supermercados, e atua em setores em que o agronegócio ainda não conseguiu penetrar, está cada vez mais sem voz e sem vez.
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A reforma da previdência deixa isso muito claro, especialmente no que toca ao trabalhador rural.
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Pelas regras atuais, ainda em vigor, a aposentadoria no valor de um salário mínimo pode ser requerida pelo trabalhador rural ao completar 55 (mulher) ou 60 (homem) anos, sem que tenha sido necessário contribuir efetivamente para o INSS. Até agora, o povo brasileiro entendia que esta seria uma justa distribuição de renda para aqueles que deram a vida para alimentar as cidades, que começaram a trabalhar ainda crianças, e que, pela fadiga física, morrem também mais cedo.
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A reforma proposta vai acabar com essa modalidade especial de aposentadoria. Pela nova regra, o trabalhador rural só se aposentará aos 65 anos, e ainda deve comprovar o tempo mínimo de contribuição de 25 anos, para receber uma aposentadoria igualmente mínima. Valerá também aqui a necessidade de contribuir por 49 anos para auferir os vencimentos integrais. Você consegue imaginar o que são 49 anos de trabalho no campo?
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Quem já teve algum contato com os colonos da nossa região, por exemplo, sabe o quão difícil é a vida na zona rural. Às vezes a terra dá até o que vender, mas em outras vezes mal dá o que comer. O conforto é mínimo e o programa de eletrificação rural, por exemplo, caminha a passos de tartaruga e também pelo suor dos trabalhadores, que se organizam para adquirir as fiações, transformadores e demais equipamentos. E, com essa reforma, o governo espera que, no final do mês, ainda sobre cerca de cem reais para o pagamento do INSS...
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Em resumo, a reforma da previdência, da forma que está sendo proposta e conduzida, vai inviabilizar a vida do pequeno agricultor no campo, vai aumentar a concentração de terras nas mãos dos grandes produtores, e, por consequência, vai encarecer e quem sabe até extinguir muitos dos produtos caipiras que tanto apreciamos.
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Mais do que isso, essa reforma afronta a dignidade do trabalhador rural, pois retira dele a faculdade de atender às suas vocações e aos laços que mantém com a terra. Ou ele vai para a cidade ser mais um operário que trabalha por um salário, para ter dinheiro para pagar a sua aposentadoria, ou vai morrer de fome na primeira doença que a idade trouxer. Na prática, a sociedade brasileira urbana vai usar a força de trabalho do homem e da mulher do campo até quando for possível, entregando-os à própria sorte quando as suas forças não mais lhes permitirem o ofício.
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O fundamento da dignidade humana, já dizia Kant, é enxergar a autonomia da pessoa, e tê-la como um fim em si mesmo, e não como um simples meio para atender às necessidades e à ganância dos outros. Parece que nós brasileiros, por meio de nossos representantes políticos, faltamos a essa aula.
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Escrito por Andrei Cesário de Lima Albuquerque*
*Andrei é servidor público federal e aluno do quarto ano de direito na Unifesspa, em Marabá. Ele pesquisa sobre direitos humanos, direito à cidade e relações de trabalho. E-mail: andreicesario@gmail.com
Postado por Adriana Araújo.
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