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Hoje a dignidade humana tem preço e os direitos são produtos


Já falamos outro dia aqui no blog sobre a ideia da dignidade humana e sobre a relação dela com as políticas de saneamento básico. Hoje, vamos aprofundar mais esse conceito e situá-lo em um contexto mais amplo de violações reiteradas aos direitos humanos.

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A dignidade humana é a capacidade de autonomia e autogoverno de cada pessoa, e só se realiza quando enxergamos o outro e a nós mesmos como um fim em si mesmo, e não como um meio para quem ou o que quer que seja. Isso significa que ser pessoa é poder decidir sobre os rumos da própria vida e ver essas escolhas respeitadas nos diversos círculos sociais que participamos. Quando utilizamos a lente da dignidade humana para olhar o outro, só nos importa a sua condição de pessoa, ou seja, todos os outros “adjetivos” que nos são atribuídos (cor, gênero, orientação sexual, religião, forma física, condição social etc.) perdem completamente a sua importância. E, na minha opinião, esse é o único olhar que podemos ter, se quisermos construir um mundo mais pacífico.

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Isso parece bem óbvio atualmente, mas, como sabemos, nem sempre foi assim. O Brasil, por exemplo, legitimou a escravidão por quase quatro séculos. Muitas gerações foram educadas para enxergarem apenas alguns seres humanos como pessoas, enquanto que os outros eram simples mercadorias. Até hoje sentimos as consequências dessas distorções, principalmente nos índices de violência: o número de jovens, negros e pobres mortos é muito maior do que o de qualquer outro grupo. Ao menos, hoje temos uma constituição cidadã que nos diz em seu artigo 5º que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza. Ou seja, hoje somos todos pessoas. Mas, será mesmo?

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Se do ponto de vistas jurídico, todos somos iguais e todos temos a nossa dignidade e os nossos direitos reconhecidos, na prática não é bem assim. A lei não ampara mais a escravidão e o racismo, mas substituiu o critério da cor pelo critério da quantidade de dinheiro que conseguimos acumular. Quanto mais dinheiro temos, mais direitos podemos comprar.

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Veja o que diz o artigo 6º da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Todos esses direitos fazem parte do compromisso assumido pela República Brasileira para com os seus cidadãos, pagadores de impostos, mas quais deles são oferecidos de forma suficiente e adequada?

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Por outro lado, note que todos esses direitos estão disponíveis no mercado para serem adquiridos por quem pode pagar diretamente por eles. Se eu tiver dinheiro posso usufruir do melhor serviço de saúde, das melhores escolas, de segurança privada etc. Ou seja, se eu tiver dinheiro, posso ter direitos, pois eles foram transformados em produtos.

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Não há nada de errado em ganhar dinheiro de forma honesta e usufruir dos benefícios que ele proporciona. Quem dera se todos tivessem oportunidades e vontade para isso. O problema surge quando as pessoas que não tem dinheiro, mas obviamente não deixaram de ser pessoas, perdem o acesso a esses direitos simplesmente porque não podem pagar por eles. Imagine alguém com um câncer e que seja necessário um exame complexo para determinar a extensão da doença e a melhor forma de tratamento. Se ela não puder pagar por isso em uma clínica particular, será que o câncer vai esperar quietinho o tempo que o SUS leva para atender a uma demanda como essa?

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A alta carga tributária do Brasil justifica-se pelo grande número de direitos que ele se comprometeu a prestar a seus cidadãos, mas, infelizmente, não vemos os nossos impostos serem convertidos em serviços públicos de qualidade para quem precisa deles. O mais absurdo disso tudo é que, ao invés dos gestores públicos terem honestidade, competência e boas ideias para gerir melhor o dinheiro público, o que temos visto é sempre a opção pelo corte de direitos. Parece sempre mais fácil diminuir as despesas do que pensar em como gastar melhor as receitas.

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Estamos caminhando para um Estado mínimo, que deixará os seus cidadãos à sua própria sorte, ou seja, quem conseguir ganhar dinheiro, terá acesso aos direitos. Quem não conseguir, simplesmente será descartado. Eis a nossa escravidão no século XXI.

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Escrito por Andrei Cesário de Lima Albuquerque*

*Andrei é servidor público federal e aluno do quarto ano de direito na Unifesspa, em Marabá. Ele pesquisa sobre direitos humanos, direito à cidade e relações de trabalho. E-mail: andreicesario@gmail.com

Postado por Adriana Araújo.


 
 
 

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Eduarda Araújo
Blogueira
Eduarda Araújo

Pós graduada em Gestão de Pessoas, atualmente Analista de Recursos de Infração e Blogueira. Executa trabalhos sociais de dança e teatro em instituições religiosas 

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